quinta-feira, 22 de abril de 2010
50 Milhões de Figurantes - Entre os quais CADEIRANTES
Fonte: MARTHA MEDEIROS
50 milhões de figurantes
Todas as manhãs, dirijo pelo mesmo trajeto e fico engarrafada numa mesma esquina, onde há uma obra atrapalhando o trânsito. Mas nada se compara com a dificuldade de uma moça que diariamente atravessa a rua bem em frente ao meu carro. Seria fácil para ela caminhar sobre a parte esburacada da obra e cruzar de uma calçada a outra enquanto o sinal não abre. Seria fácil se ela caminhasse, mas não caminha. Anda numa cadeira de rodas.
Todos os dias, eu presto atenção nela, em como maneja bem sua cadeira, em como parece estar acostumada, apesar de todo o esforço. Naturalmente, me vem à lembrança a personagem de Alline Moraes em Viver a Vida. E me pergunto: não fosse a personagem da novela, eu prestaria tanta atenção assim? Quantas cadeirantes já cruzaram meu caminho e eu não percebi?
Assistindo a uma entrevista da vereadora e psicóloga Mara Gabrilli, também cadeirante, descobri que no Brasil há cerca de 50 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência, seja motora, auditiva, visual, mental ou mesmo as deficiências degenerativas da idade, que comprometem o ir e vir autossuficiente. Não é um milhão, nem são dois: são 50 milhões. Você tem cruzado por essas pessoas pelas ruas? Sim, todos os dias. Mas cruzar por elas não significa enxergá-las.
Não acho que as novelas precisem se engajar em causa alguma, estão aí para entreter, passar o tempo, porém, quando conseguem colocar na trama uma personagem peculiar, que não representa apenas a santinha ou a vilã clássicas, mas que foge do estereótipo, nossos olhos se abrem para uma condição que a gente se acostumou a não ver.
Ainda que a realidade da personagem da novela seja diferente da realidade da maioria dos cadeirantes (raros possuem enfermeira 24 horas, fisioterapeuta de plantão e motorista com carro adaptado), não se pode esquecer que vivemos num país em que a educação se dá mais pela TV do que pelos livros. Logo, um programa de grande audiência que atinge as classes A, B, C, até Z, contribui muito para a inclusão social daqueles que, por não protagonizarem novelas, também não eram considerados protagonistas aqui fora. Formavam um elenco de apoio, 50 milhões de figurantes.
Não é nada, não é nada, Manoel Carlos deu projeção a uma linda Luciana que saiu das passarelas para a paraplegia, com o ineditismo de a personagem ter até blog e trocar ideias com os telespectadores como se o seu drama existisse de fato. Bizarro? Cafona? Pode ser. Mas hoje vejo com mais nitidez aquela moça que todo dia atravessa a rua manejando sozinha sua cadeira de rodas às sete e meia da manhã, engolindo poeira em meio a uma obra, e penso na falta que faz um outro tipo de passarela, uma rampa ou uma calçada bem pavimentada para aqueles que, diferenças à parte, também são personagens principais.
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